A Evolução do Audio nos Jogos: PC Speaker, AdLib, Sound Blaster e Roland MT-32
Nos anos 80 e início dos anos 90, jogos de computador eram vendidos em fitas cassetes ou disquetes de no máximo 1.44 megabytes. Como era possível então que jogos tivessem várias músicas, se um único MP3 ocupa vários megabytes?
O jeito era usar arquivos MIDI: enquanto um arquivo MP3 contém gravações de músicos tocando instrumentos reais, o MIDI é uma “partitura digital”, que o computador lê e reproduz usando um banco de instrumentos eletrônicos.
Os primeiros computadores possuíam sons péssimos, criados através do PC Speaker — auto-falantes monofônicos localizados dentro do computador, que que serviam pra informar o status da máquina para técnicos:
Os desenvolvedores de jogos da época usavam inúmeros truques para tentar criar musicas e efeitos aceitáveis usando um som tão simples e limitado.
A abertura de Police Quest II (1988), por exemplo, soa assim num PC Speaker:
A partir da metade dos anos 80 outros sistemas de computação, como o Amiga e o Atari ST, trouxeram módulos de som mais avançados, feitos para músicos e profissionais. Roberta Williams, a lendária fundadora da Sierra, queria usar esses sistemas para criar jogos mais envolventes, então convenceu algumas empresas a também criarem placas de som para PCs.
Em 1987 surgem as placas de som AdLib, pequenas e relativamente baratas, mas capazes de sintetizar vários instrumentos e canais de som ao mesmo tempo. Elas se tornariam o padrão da indústria por um tempo — substituídas posteriormente pela Sound Blaster, da Creative.
Ouça como Police Quest II fica em uma placa AdLib:
Mas tem um detalhe importantíssimo: cada placa tinha seu próprio banco de instrumentos, e assim como uma mesma musica pode ser tocada de várias formas, um arquivo MIDI soa muito diferente dependendo da placa usada.
Tratando-se de MIDI, o topo de linha na época era o sistema Roland MT-32. Ele era um modulo sintetizador caro e primariamente para músicos, não jogos — mas podia ser conectado ao PC e tinha um incrível banco de instrumentos.
Como era o sistema feito para profissionais, muitos compositores usavam ele como base — era só no Roland que se tinha a versão “original” dessas músicas. Ouça Police Quest II novamente e veja a ENORME diferença:
O Roland MT-32 é um módulo sintetizador incrível, mas era caríssimo e raro, além de incapaz de reproduzir gravações: ele só funciona com MIDI mesmo.
A competição de verdade foi entre as placas de som dedicadas. A AdLib foi a primeira, mas a disputa mais acirrada aconteceu no início dos anos 90, com a Creative e sua linha Sound Blaster competindo com as placas da Gravis.
No entanto, mesmo as melhores placas não era tão boas com MIDI quanto um sintetizador dedicado, então alguns PCs tinham dois sistemas: um para som pré-gravado (como vozes) e outro só para MIDI. Era um tanto confuso, pois ao instalar um jogo você precisava dizer qual era a sua placa de som e qual a de música, escolhendo entre uma longa lista de marcas e modelos:
Pior ainda: nem sempre a sua placa aparecia na lista. A Gravis Ultrasound era mais avançada que a linha Sound Blaster da Creative, mas poucos jogos a suportavam. O grande trunfo da Sound Blaster era ser altamente compatível.
Quem quiser pode clicar aqui para ver ver uma linha do tempo dessa briga, com várias amostras dos sons das placas (em inglês, mas é só clicar play).
A chegada dos CD-ROMs fez com que jogos usassem musicas pré-gravadas ao invés de arquivos MIDI, diminuindo a relevância de sintetizadores como o Roland. Mas a grande mudança foi o AC’97: um codec criado pela Intel em 1997 que fez com que fabricantes de placas-mãe pudessem produzir sistemas de som integrados, eliminando a necessidade de placas de som dedicadas.
Com o tempo placas de som dedicadas tornaram-se um item limitado a profissionais ou audiófilos, que querem o melhor som possível.
É algo semelhante ao que acontece hoje com o Intel HD Graphics: gamers que querem gráficos incríveis compram placas dedicadas da Nvidia ou ATI, mas para a grande maioria das pessoas os gráficos integrados de um processador i5 são mais do que suficientes. Roda até Crysis e GTA V (no Low)!
Infelizmente, tenho uma triste noticia: por razões legais, quando você compra Police Quest no GOG ou no Steam, o som que irá ouvir é a versão da AdLib!
E isso acontece com praticamente todos os jogos de MS-DOS vendidos hoje em dia — sempre usam AdLib ou Sound Blaster como padrão.
Felizmente, existem soluções para isso!
Para fãs de jogos Adventure, como os da LucasArts, Sierra, Humongous e AdventureSoft, o ScummVM é um programa feito especialmente para rodar esses jogos em computadores modernos. Grátis e disponível em português, ele permite emular o som de Roland MT-32, além de outras opções:
Para fãs de outros gêneros, a coisa complica um pouco. Hoje jogos de MS-DOS são executados através do DOSBox, um emulador 100% legal e open-source.
Existem várias versões diferentes dele: a minha favorita é o DOSBox Daum — uma versão “tunada” do DOSBox que possuí várias opções, como diversas placas de som, corrigir a proporção da tela (jogos antigos eram 4:3, não 16:9) e até mesmo filtros para adicionar scanlines e deixar a tela curva, como se fosse um monitor antigo de tubo:
Que lindo, rola até uma lágrima. ;_:
Infelizmente, há um pequeno revés: para usar o DOSBox Daum é necessário saber usar alguns comandos simples do MS-DOS. Por exemplo:
Eu tenho SimCity instalado no drive C, em C:\DOS\SimCity
Para jogar eu inicio o DOSBox; digito “mount c c:\dos\simcity” para dizer ao programa qual pasta do computador vou usar; digito “c:” para ir para a pasta;
e digito “simcity” para iniciar.
Pronto, o jogo começa!
Parece complicado, mas era mais ou menos assim que eu e inúmeras pessoas fazíamos nos anos 80 e 90 para jogar jogos de MS-DOS. Quem quiser saber mais pode ler esse guia em português sobre como instalar e usar o DOSBox.
Os computadores evoluíram muito desde então, mas a magia de vários desse jogos continua intacta — ainda mais com um som Roland!